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Incendiada

Ouvi dizer que você gosta de andar nua pelas ruas em noites de lua nova
cantarolando baixinho para não alertar as aves
e que, atingindo a borda do bosque, pisando macio na trilha,
você galga o velho carvalho e com suas folhas se cobre

Ouvi dizer que você foge do sol mas assedia, implacável, a alvorada
que despreza a noite e evita o dia e desabrocha só de madrugada
e que, não sendo daqui, vagueia por tortuosas sendas que conduzem, todas,
ao nada

Quem é você, de quem tanto ouço falar mas nunca consigo entrever?
Por que é que se esquiva quando eu tento lhe alcançar?
Por que não me confia parte de sua carga?

Ouvi dizer que você arde por dentro, em segredo, calada
enquanto que, perante o mundo, expõe sua face sombria
e que deixa, por onde passa, um rastro d’água,
camuflando assim sua condição
de incendiada

Quem é você, cujos sussurros me alarmam sem que eu entenda por quê?
Por que é que me assombra, se não deseja que eu vislumbre você?
Por que não me confia a chave da sua casa?
Published inPortuguês
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